Eduardo Ritter

Crepúsculo, praia e reflexões paternas

Por Eduardo Ritter

Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel

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No final de semana de Páscoa tive uma oportunidade ímpar de me reencontrar comigo mesmo. Durante os dias do feriadão que passei em Xangri-lá, no Litoral Norte, comecei a ler o livro Reparação, do autor britânico Ian McEwan. A cada dia, após ler algumas páginas depois do almoço, deitado na rede na varanda da casa dos meus pais, eu caminhava por alguns quilômetros à beira mar, molhando os pés, organizando os pensamentos e os sentimentos, há algum tempo já tão confusos. No calorão que fez, consegui até dar uns bons mergulhos em uma água límpida e morna, raramente vista no litoral gaúcho. Ao longe, via o mar azul sumir no horizonte, fazendo com que eu mesmo duvidasse que aquela praia que se exibia ali, diante dos meus olhos, fosse realmente aquela que vejo há anos aqui no Rio Grande do Sul. Mas era. Clima e mar caribenhos em um final de março outonal que mais parecia o auge do verão.

Foi diante do crepúsculo maravilhoso que assimilei as reflexões que Emily, personagem de Reparação e mãe da jovem Briony, fez acerca da filha adolescente que, por coincidência, tem a mesma idade da minha filha: 13 anos. Ah, cada palavra escrita por McEwan foi um tiro certo na alma de qualquer pai ou mãe de adolescente, pois parece que foi ontem que o nosso (a) pequeno (a) usava fraldas e pedia para contar historinhas antes de dormir. Lendo tais palavras, fiquei sentindo ao mesmo tempo um aperto no peito e um conforto, pois o crescimento e o desenvolvimento de nossos filhos são inevitáveis, por mais que às vezes a gente tenha vontade de apertar um botão invisível, mágico e imaginário para voltar no tempo e reviver a infância deles novamente. Compartilho aqui, com vocês, um dos trechos do livro:

"E para ela [Emily, a mãe], tais sacramentos sempre foram tranquilizadores, reparadores; o sabão de lanolina, a toalha de banho alva e grossa, a vozinha de menina ecoando na acústica do banheiro enevoado de vapor; o ato de embrulhá-la na toalha, prendendo-lhe os braços e pegando-a no colo, devolvendo-a por um momento à condição de bebê, que fora tão prazerosa para Briony [a filha] num tempo que nem era assim tão remoto". As reflexões seguintes, porém, levam a essa transformação que não conseguimos precisar exatamente quando ocorrem na passagem de uma fase da via à outra: "Ela havia sumido num mundo interior inacessível, e seus escritos eram apenas a superfície visível desse mundo, a casca protetora que não podia ser penetrada, nem mesmo por uma mãe amorosa - não, principalmente por uma mãe amorosa. Sua filha estava sempre distante, perdida em sua própria mente, a se debater com algum problema secreto criado por ela própria, como se o velho mundo visível pudesse ser recriado por uma criança. Inútil perguntar a Briony no que ela estava pensando. Outrora ela teria respondido com uma observação inteligente e complexa, que por sua vez redundaria em perguntas bobas e profundas às quais Emily respondia da melhor maneira que era possível".... E assim segue.

O enredo de Reparação, que se passa na Inglaterra dos anos 1930, porém, não tem como foco principal a relação entre pais e filhos, porém, para quem é pai de uma criança/adolescente de 13 anos, tais palavras pegam de jeito. Precisei caminhar muito no crepúsculo praiano para colocar em ordem a minha confusão de sentimentos sobre essas e outras questões que vinham povoando a minha mente. Porém, lendo o romance de McEwan e caminhando muito molhando os pés na beira do mar, as coisas começaram a se encaixar melhor e eu pude respirar aliviado, enxergando com maior clareza as milhares de peças que formam o incrível quebra-cabeças chamado Vida​

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